Arte e Natureza no espaço urbano

Arte e Natureza no espaço urbano

domingo, 18 de maio de 2014

O Estado, os Municípios e a cobrança do IMI nos Centros Históricos

Justificam-se estas linhas pelo facto de terem vindo recentemente a público, através da comunicação social, algumas notícias referentes a tomadas de posição - "mais ou menos concertadas" - por parte de algumas câmaras municipais, no sentido de exigir à Autoridade Tributária o cumprimento da lei que determina a isenção automática do IMI aos proprietários de imóveis localizados nos centros históricos classificados. Évora, Porto, Guimarães e Sintra (por ora) são exemplos de autarquias que já tomaram uma posição de força relativamente a esta matéria, pressionando o Governo e o Ministério das Finanças no sentido de eliminarem as situações de incumprimento da lei entretanto detetadas. 
O Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) incide, recorde-se, sobre o valor patrimonial tributário dos prédios rústicos e urbanos situados no território português, constituindo receita dos municípios onde os mesmos se localizam (cf CIMI, Cap. I, Art.º 1.º). 
O CIMI - Código do Imposto Municipal sobre Imóveis - entrado em vigor a 1 de dezembro de 2003 (tendo substituído a anterior Contribuição Autárquica), na sequência da publicação do Decreto-Lei n.º 287/2003 de 12 de novembro, estabelece, no entanto e apenas, que estão isentos de IMI "o Estado, as Regiões Autónomas e qualquer dos seus serviços, estabelecimentos e organismos (...), bem como as autarquias locais e as suas federações e associações de municípios (...)."
Desta forma, será (apenas) no Estatuto dos Benefícios Fiscais - DL n.º 215/89 de 1 de julho, revisto pelo DL n.º 198/2001 de 3 de julho - que se encontrarão as disposições legais que determinam um amplo conjunto de situações de isenção relativamente à aplicação / cobrança deste imposto. 
No âmbito da questão aqui tratada, destaco o facto de que, de acordo com a alínea n) do n.º 1 do Art.º 44.º do EBF, os prédios que, nos termos da legislação aplicável, sejam classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público, de valor municipal ou património cultural, gozam de isenção de IMI. Refira-se, ainda, que a isenção "é de carácter automático, operando mediante comunicação da classificação como monumentos nacionais ou da classificação individualizada como imóveis de interesse público ou de interesse municipal, a efetuar pelo Instituto de Gestão do Património Arquitetónico e Arqueológico, I.P., ou pelas câmaras municipais, vigorando enquanto os prédios estiverem classificados, mesmo que estes venham a ser transmitidos."
Os imóveis situados em centros históricos integrados na Lista do Património Mundial da UNESCO (e, por inerência, classificados como Monumento Nacional, nomeadamente conjuntos ou sítios) beneficiam, por esta via, de isenção do Imposto Municipal sobre Imóveis. 
Alguma "desinformação" e ambiguidade decisória - concretizada, designadamente, por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira - têm marcado (negativamente) o acesso a este benefício fiscal. Com efeito, desde 2009 que começaram a registar-se situações de indeferimento de novos pedidos de isenção, por parte de alguns serviços locais de Finanças, em municípios como Évora, Porto, Guimarães ou Sintra. Curiosamente (pelo menos relativamente a Évora), terão sido mantidas as situações de isenção de IMI para quem as requereu anteriormente. Verifica-se, assim, a aplicação de forma diferenciada da mesma Lei no território nacional. O que, como se compreenderá, não pode acontecer. 
A isenção do IMI nos centros históricos classificados é, na minha perspetiva, claramente justificada. Grosso modo, poderá ser entendida como uma "medida compensatória" das múltiplas restrições a que os imóveis aí  existentes estão sujeitos, face à maior exigência dos processos urbanísticos nestes territórios. 
Em boa verdade, temos que reconhecer que, em tais áreas: 
- vigoram condicionalismos vários à concretização de alterações estruturais / arquitetónicas e funcionais do património edificado; 
- verificam-se importantes restrições à circulação rodoviária e ao estacionamento de veículos; 
- os edifícios (habitacionais e outros) não dispõem, frequentemente, de garagens e/ou ascensores (bem como de outras "comodidades"), comuns em áreas urbanas de construção (mais) recente; 
- regista-se uma apreciável atividade turística, frequentemente geradora de fatores de perturbação dos quotidianos dos seus residentes, afetando os períodos comuns de descanso da população, bem como - não raras vezes - as condições de limpeza e/ou de segurança pública locais; 
- a isenção de IMI constitui um eficaz instrumento fiscal utilizado, também, na captação de investimento privado para as operações de reabilitação urbana, geradoras de mais-valias diversas; 
- (...). 
Creio ter sido claro e objetivo, apresentando algumas razões pelas quais defendo a isenção de IMI relativamente a todos os Centros Históricos classificados. Desta forma poderão ser efetivamente apoiados proprietários e investidores, promovendo-se o repovoamento de tais áreas e revitalizando-se a atividade económica local. 
E assim, também, residentes e empresas aí instaladas poderão constituir - cada um à sua maneira - um elemento insubstituível no quadro das ambicionadas preservação e valorização de um património que, sendo seu, é também de todos. 
E o país agradece. 
Invólucro Mensagem da Autoridade Tributária (imagem parcial do exterior), contendo informação referente ao IMI anual
Municípios exigem redução do IMI nos centros históricos (notícia CMP)

quinta-feira, 8 de maio de 2014

A "quase" Capela do Espírito Santo

Ocasionalmente, os elementos patrimoniais arquitetónicos que se expõem "aqui e acolá" levam-nos a questionar "milhentas" coisas: Quem determinou a sua construção? Quem ou que entidade os pagou? Com que objetivo(s) foram construídos? Quem os ergueu? Que funções e relevância tiveram? Quais as razões do estado em que se encontram? Qual poderá ser o seu futuro?... 
Esta breve introdução justifica-se - para mim, bem entendido - pelas interrogações (e - devo confessá-lo - pela profusão de sentimentos, até) suscitadas pela visita às ruínas daquela que é (sem nunca o ter chegado a ser, segundo se afirma) a Capela do Espírito Santo, implantada a meia encosta da Serra da Gávea, a escassos 10 minutos do Centro Histórico de Vila Nova de Cerveira. 
Dela subsistem, apenas e objetivamente, o pórtico de entrada, na sua fachada frontal, e dois curtos alinhamentos em pedra granítica, indiciando as suas paredes laterais nunca erguidas. Juntos, emprestam uma enigmática beleza ao local, convidando à reflexão sobre o carácter efémero das coisas e sobre as vicissitudes da vontade dos Homens. 
Sobre este local, diz-nos o Professor Doutor Carlos Brochado de Almeida: "...numa das curvas da montanha, sobranceiro à vila, lá está o Monte do Espírito Santo com o portal da capela, nunca concluída, e vestígios de uma ocupação que remontará à Idade do Bronze..."
Com efeito, observadas a partir da vila - "cá" em baixo, junto ao rio Minho - as ruínas da capela e, particularmente, o pórtico que nelas se destaca, definem a silhueta da serra e despertam a curiosidade de muitos. 
No local - com uma vista soberba sobre o rio e o mar, ao longe - despertam em alguns a vontade de aí ficar algum tempo e, porventura, aguardar o pôr-do-sol. Entendemos porquê. 
Capela do Espírito Santo: perspetiva do exterior; fachada frontal. 
Capela do Espírito Santo: perspetiva do "interior". Ao fundo, o Rio Minho e Espanha. 
Capela do Espírito Santo: pormenor da cantaria;
inscrições nas pedras que definem o ângulo sul da fachada frontal. 

quinta-feira, 1 de maio de 2014

As Maias: uma tradição secular

Todos os anos, em muitos lugares, na noite do dia 30 de abril (em rigor - manda a tradição - antes da meia-noite) para o primeiro dia do mês de maio, colocam-se nas portas e janelas das casas pequenos ramos ou coroas de giestas floridas, relativamente comuns, nesta altura do ano, em muitos terrenos dispersos pelas mais diversas áreas do país. 
As Maias (ou, simplesmente, giestas floridas)
giesta-brava ou giesta-das-vassouras (Cytisus scoparius), constitui a espécie vegetal mais utilizada entre nós, para este efeito. As suas designações mais comuns traduzem, assim, por um lado, o contexto paisagístico em que a mesma surge (frequentemente, em matos e terrenos baldios), bem como, por outro, aquela que é (era...) uma das suas mais populares utilizações. 
As Maias, como também são chamadas nesta altura do ano as giestas floridas (por referência ao mês que se inicia), emprestam às ruas das cidades, vilas e aldeias um colorido alegre e primaveril. 
Este costume – em rigor, um ritual, com séculos de existência, partilhando raízes sagradas e profanas – servirá, segundo se afirma, tanto para honrar o amor, saudar a natureza e celebrar o novo ciclo agrário, como para afastar “com sucesso” o Demónio e os “maus-olhados” e esconjurar as forças do Mal. 
Noutras regiões do país, também no primeiro dia do mês de maio, os mais novos iam (…será que ainda vão?) de casa em casa a cantar e a pedir dinheiro, levando consigo e enfeitando-se com giestas floridas. 
Parece-me oportuno lembrar, também, o facto das giestas, depois de terem sido colhidas pelo pé e deixadas secar à sombra, poderem ser unidas e atadas com vimes, sendo então utilizadas como vassouras, particularmente úteis aos lavradores de antigamente, por exemplo, para a limpeza das eiras e para a recolha do grão aí disperso, após a realização das desfolhadas e das malhadas tradicionais. Também esta interessante serventia doméstica dada às giestas terá caído em flagrante desuso. Como em tantas outras situações, a primazia rapidamente atribuída (notoriamente, desde meados do século XX) aos artigos produzidos pelas mais variadas e modernas indústrias – disponibilizados aos consumidores, a um custo atrativo – viria a resultar no quase total desaparecimento de um amplo leque de artefactos, afetos às mais variadas funções. No caso vertente, as vassouras de piaçaba e, posteriormente, as vassouras plásticas, ditaram o fim do recurso às giestas para a produção artesanal deste instrumento de trabalho da maior utilidade. 
Mudam-se os tempos...