Arte e Natureza no espaço urbano

Arte e Natureza no espaço urbano

sábado, 26 de julho de 2014

O antigo Velódromo Maria Amélia e o atual Museu Nacional de Soares dos Reis

Atrever-me-ia a afirmar que a cidade do Porto soube marcar a diferença ao longo dos tempos. Não raras vezes se destacou pelo carácter inovador de algumas das suas infraestruturas e/ou opções estratégicas (assumidas, designadamente, no quadro da sua atividade económica, social e política).
Neste contexto, uma modalidade desportiva em ascensão no decorrer do século XIX - o ciclismo - particularmente do agrado de determinadas elites sociais do meio urbano europeu (e, consequentemente, nacional) viria a induzir a criação, numa área privilegiada da cidade do Porto, de um espaço especialmente concebido para a sua prática regular. Nascia assim, no ano de 1894, na Quinta do Paço - propriedade então pertencente ao Rei D. Carlos e que incluía o "Palácio dos Carrancas" (detentor do estatuto de Paço Real) - aquele que viria a ser designado por Velódromo Maria Amélia, honrando a figura da Rainha D. Maria Amélia de Orleães, consorte do monarca reinante. O acesso ao mesmo fazia-se pela Rua de Adolfo Casais Monteiro (antiga Rua do Pombal).

Perspetiva do interior do quarteirão definido pelas ruas de D. Manuel II, do
Rosário, de Miguel Bombarda e de Adolfo Casais Monteiro. Ao centro, a
forma inconfundível do antigo velódromo, inserido no atual Jardim da Cerca,
do MNSR (imagem retirada de https://www.google.pt/maps) 

A pista de ciclismo aí concebida obedecia, à época, às regras internacionalmente impostas pela modalidade e na qual se percorria um quilómetro cumpridas três voltas à mesma. Uma volta completa dada à pista correspondia, pois, a rigorosos 333,33 metros de percurso.
O terreno em causa, como se referiu, foi doado pelo Rei D. Carlos ao prestigiado Velo Club do Porto, em 1893, antecipando as comemorações do V centenário do nascimento do Infante D. Henrique (n. 04.03.1394, Porto). O mesmo situava-se (e situa-se, ainda) nas traseiras de um magnífico imóvel neoclássico (cuja construção foi iniciada em 1795) que se encontrava na posse da Família Real desde o ano de 1861 e que viria a albergar, em 1940, o Museu Nacional de Soares dos Reis. Entre os anos de 1932 e 1939 a propriedade esteve na posse da Santa Casa da Misericórdia do Porto, que a recebera na sequência da morte do antigo monarca, segundo a sua vontade.
Durante a primeira década do século XX, o Velódromo Maria Amélia destacou-se como o maior recinto desportivo da cidade do Porto, correspondendo às solicitações de um público diversificado e, sobretudo, entusiasta da modalidade. O espaço (dispondo originalmente de uma extensa bancada coberta e de três courts de ténis na sua área central) encerraria portas (em rigor, portões...) em 1910, na sequência da implantação da República e da ida do Rei D. Manuel II para o exílio.
Após várias décadas de relativa resiliência, o antigo velódromo veria ser comprometida a sua apreciável (apreciada?) integridade física, até então satisfatoriamente preservada, ainda que sem o "brilho" de outrora. Com efeito, no âmbito de uma intervenção arquitetónica aí realizada em 1992 - mediante projeto do Arq.º Fernando Távora - o Museu concretizaria a implantação de uma nova construção no local (anexa ao limite norte do edifício original), no intuito de, legitimamente, poder proporcionar um melhor serviço aos seus visitantes.
Em 2001, por sua vez, concluindo-se o projeto anteriormente iniciado, seriam ainda concretizadas duas outras construções, destinando-se a maior delas (possuidora de uma extensa fachada envidraçada), contígua ao edifício do Museu, a servir refeições ou a acolher reuniões, palestras ou festas. Intercetavam-se, assim, definitivamente, os segmentos retilíneos da antiga pista velocipédica. Restam relativamente intactos, "timidamente", os seus característicos topos curvos e em relevé, verdadeira "imagem de marca" de infraestruturas desta natureza. Como que, de certa forma, a evocar o passado nobre e singular da infraestrutura, pese embora manifestamente esquecido.
O espaço em causa corresponde, atualmente, ao Jardim da Cerca (do Palácio dos Carrancas), ou seja, a uma vasta área (ocasionalmente) utilizada para a realização de eventos e atividades diversas ao ar livre, sejam elas da iniciativa do Museu, sejam da responsabilidade de outras entidades que porventura a requisitem.
Ficam aqui algumas imagens do local, repleto de memórias do seu passado pouco conhecido, como que a sugerir uma "espreitadela" por parte dos mais curiosos...
Recomendo também, obviamente, uma visita "sem pressas" ao Museu, possuidor de coleções riquíssimas e diversificadas, bem como promotor de uma agenda ambiciosa, correspondendo aos gostos mais ecléticos.
Em jeito de comentário final, não posso deixar registar a incontornável dificuldade - também aqui evidenciada- no que concerne à compatibilização de interesses e sensibilidades várias associadas à transformação dos espaços.
Como em muitas outras situações (na vida), dever-se-á evitar adoção de posições eminentemente fundamentalistas, creio.
No caso vertente - de certa forma paradigmático, neste domínio - dever-se-á, sobretudo, confiar no bom senso, na competência e na capacidade de discernimento por parte da Direção do Museu.

Perspetiva do Átrio da Cerca, concebido no edifício inaugurado em 2001,
obtida a partir do Jardim da Cerca (área central do antigo velódromo) 
Perspetiva do topo nascente da antiga pista velocipédica, identificando-se
a respetiva curvatura em relevé, bem característica de estruturas desta natureza 
Perspetiva geral do topo nascente da antiga pista velocipédica.
O pavimento, empedrado, resulta da intervenção arquitetónica de 2001
Perspetiva de uma secção retilínea (setor sul)
 da antiga pista velocipédica 
Marco em pedra granítica, gravado em baixo relevo, exposto no local,
evocativo da fundação do Velo Club do Porto, em 1893
(imagem retirada de http://ovelocipedista.wordpress.com) 

sexta-feira, 18 de julho de 2014

Questão de pormenor ou erro de palmatória?

Eu prezo muito a língua portuguesa. Respeito-a e procuro não ser apanhado em falta neste domínio. 
Concordarão, no entanto, que, dependendo - entre muitos outros fatores - das funções exercidas por cada indivíduo, sejam eventualmente expectáveis e/ou toleradas algumas incorreções quanto ao uso da língua, nas suas vertentes oral e escrita. Inclusive da língua materna. 
Não concebo, todavia, que um anúncio de cariz oficial / institucional contenha um lamentável erro ortográfico, como aquele que adiante apresento. 
Com efeito, o painel informativo referente à execução de obras de reabilitação de uma escola do primeiro ciclo de S. Mamede de Infesta apresenta o seguinte texto: "INVESTIMENTO ILEGÍVEL  1 623 467,91 Euros"...
Apetece-me dizer que "é dinheiro a mais" para algo que nem conseguiram ler do que se tratava, aquando da tomada de decisão de atribuição da verba em causa. É lamentável, mormente pelo facto do erro se verificar à porta de uma escola...onde se aprende a ler e a escrever. Acho. 
Claro que o investimento em causa foi - isso sim - elegível. Ou seja, a respetiva proposta de intervenção / execução de obra reuniu condições para ser aprovada (leia-se eleita) pelas entidades competentes, tendo sido, subsequentemente, contemplada com tal verba. 
Para finalizar: em minha opinião, justificar-se-ia a aplicação de um castigo com palmatória ao(s) autor(res) do painel.
E lembro, já agora, que se a Escola (stricto sensu) é um elemento patrimonial a valorizar, também o é, seguramente, a língua portuguesa. 
Perspetiva da Escola, em fase de execução de obras de
reabilitação, promovidas pelo Município de Matosinhos
(Departamento de Investimentos e Infraestruturas Municipais).
O painel informativo em causa.
O "erro de palmatória", na terceira linha.

terça-feira, 8 de julho de 2014

Antiga EFANOR, 2014: uma ruína sem futuro definido

A Empresa Fabril do Norte (ou, simplesmente, EFANOR) foi uma empresa têxtil pioneira em Portugal. Criada em 1907, destacar-se-ia pelo facto de ter sido a primeira fábrica a produzir carrinhos de linha no nosso país (linha de algodão, para coser e bordar, enrolada em "carros" de madeira). Por tal motivo, aliás, seria conhecida, também, por "fábrica dos carrinhos". Implantada na Senhora da Hora (concelho de Matosinhos, distrito do Porto), beneficiando da proximidade ao Porto de Leixões e da existência de uma linha de água no local, essencial ao desenvolvimento da sua atividade produtiva, dispunha de uma área "imensa" - com aproximadamente 15 hectares - sendo que as suas instalações integravam, para além das áreas de produção e de armazenamento, uma área habitacional (em rigor, um bairro com 69 moradias, dispondo cada uma delas de uma pequena horta e jardim), camaratas, um refeitório, uma creche e jardim de infância para os filhos dos seus trabalhadores, um complexo desportivo (composto por um pavilhão e por campos de jogos exteriores) e um corpo privativo de bombeiros, entre outros sinais de modernidade. A EFANOR terá sido, também, a primeira unidade industrial a dispor de energia elétrica em todas as suas instalações, ainda durante a década de 40 do século XX. 
A EFANOR cessou a sua atividade no local em 1994, após aí ter permanecido durante 107 anos. As suas instalações foram adquiridas pelo Grupo SONAE, no intuito de aí ser construído um condomínio (a denominada "Quinta das Sedas") e outras habitações. Após se ter procedido à demolição da maior parte das antigas instalações industriais aí existentes, preservou-se o antigo edifício social da empresa - o qual, depois de amplas obras de restauro e ampliação, viria a acolher o Colégio Efanor (estabelecimento de ensino privado, promovido pela Fundação Belmiro de Azevedo) - e, expressivamente (?), a chaminé e os edifícios, relativamente pequenos, da central de energia (albergando, ainda, um imponente motor alemão, de vinte cilindros) e da antiga tinturaria da fábrica. Foi aventada (já em 2007) a hipótese da Fundação de Serralves criar, aqui, "um edifício multifuncional, onde a arte contemporânea, o património industrial e a ligação ao mundo da moda possam ter lugar". Pelo que se pode observar atualmente no local, tal desígnio ainda está longe de ser concretizado. É pena que assim seja. Muito poderá (deverá...) ser feito, estou convicto, na ótica do respeito pela memória do local.
As cidades  (em rigor, os poderes autárquicos...) terão que encontrar soluções adequadas à alteração / requalificação dos espaços outrora ocupados pelas mais diversas estruturas e valências. Os proprietários e investidores privados, todavia, não poderão ficar alheados deste processo, nunca acabado. De ambos se exigem o bom senso e a competência técnica necessárias para levar a efeito tal empreitada. E, já agora, o bom gosto. 
Deixo-vos algumas imagens das estruturas remanescentes, na atualidade, das antigas instalações industriais da Empresa Fabril do Norte. 
Uma ruína que marca negativamente a paisagem urbana. Até quando?
Ruínas da EFANOR. Perspetiva obtida a partir da Av. da Senhora da Hora, a sul.
Ruínas da EFANOR. Perspetiva obtida a partir da Av. da Senhora da Hora, a sul.
A chaminé da antiga fábrica. Altiva, destacando-se na
paisagem, como muitas outras por esse país fora; ícone
da expansão industrial da primeira metade do século XX. 

sábado, 5 de julho de 2014

Uma questão de bom gosto (...ou de falta dele), apenas.

O Santuário de Nossa Senhora do Sameiro afirma-se, legitimamente, como o segundo maior santuário mariano em Portugal (logo após Fátima). Ao longo dos anos, tem vindo a registar uma notável ampliação e beneficiação das suas instalações, procurando corresponder às diversas (crescentes?) solicitações que lhe são dirigidas. 
Uma das mais emblemáticas construções na envolvente da Basílica do Sameiro - porquanto elemento arquitetónico e religioso mais relevante existente no Santuário - é a denominada Casa das Estampas: um espaço inicialmente concebido para proceder à venda de recordações aos peregrinos e visitantes, acolhendo, ainda, atualmente, um interessante Museu, no qual se expõem peças de natureza diversa, detentoras de apreciável relevância artística e cultural. 
A Casa das Estampas beneficiou da concretização de obras diversas de remodelação - desenvolvidas em 2004 - contemplando estas , nomeadamente, algumas alterações no seu interior, bem como o restauro das suas portas e janelas e a pintura das fachadas. 
No ângulo noroeste do edifício (construído na primeira metade do século XX), sobre uma das suas antigas portas, pode observar-se um dos vários painéis de azulejo que nele se expõem, assumindo uma função mista, informativa e publicitária. 
Desativado tal acesso ao interior do edifício, viabilizou-se a colocação, no local, de uma máquina ATM (vulgo "caixa Multibanco"), com fisionomia do século XXI . A mesma não me parece "ligar" bem com a arquitetura do imóvel...por mais útil que seja o equipamento em causa (...e é). Será que só eu estranho tal opção de localização? Não "ficou muito bem no retrato" a Confraria de Nossa Senhora do Sameiro, creio. A sensibilidade estética cultiva-se e deve ser valorizada. 
Estou certo de que, "por esse país fora", existirão "milhentas" situações afins. Por vários motivos, inevitáveis, como se depreenderá. 

Casa das Estampas, Santuário de Nossa Senhora do Sameiro, Braga. 

terça-feira, 1 de julho de 2014

"Diplomacia": de novo, a II Guerra Mundial, com a temática do Património em "pano de fundo"

Merece(-me) alguma reflexão um filme bem concebido, evocando um episódio verificado hipoteticamente durante a II Guerra Mundial. A obra em causa terá passado de forma algo despercebida nas salas de cinema portuguesas. Nela se cruzam as questões éticas, o respeito e a obediência à hierarquia (decorrente, como se depreende, da exigente condição militar) e, expressivamente, as refinadas artes diplomáticas, tão delicadas quanto necessárias em contexto de guerra. 
O enredo do filme reporta-nos ao mês de agosto do ano de 1944 e à França ocupada pelas forças nazis (desde o ano de 1940). Enquanto que o exército aliado prepara a sua marcha em direção a Paris, o general alemão que governa a cidade - Dietrich von Cholitz - prepara-se para concretizar as ordens recebidas diretamente de Hitler, no sentido de destruir a capital francesa. Nesse sentido, as pontes sobre o Sena, o Palácio (e Museu) do Louvre, a Catedral de Notre Dame, a Torre Eiffel e diversos outros monumentos são armadilhados pelas forças ocupantes, perspetivando-se a sua destruição próxima. 
O cônsul sueco - Raoul Nordling - encontra-se então com von Cholitz no sentido de o demover de executar as ordens insanas de Hitler, potencialmente conducentes à morte de inúmeros inocentes, bem como à perda irreparável de alguns dos mais relevantes e emblemáticos monumentos da Humanidade. 
Aborda-se assim, de novo (à semelhança do verificado em "Os homens dos monumentos"), a questão - nem sempre valorizada - da gravidade e irreversibilidade dos danos patrimoniais associados às operações de guerra. Como todas as partes beligerantes deveriam saber (leia-se "respeitar"), nem todos os fins justificam os meios... 
Sendo verdade que o encontro entre os protagonistas do filme é ficcionado, não menos verdade será o facto de situações de tal natureza não serem inéditas, sendo conhecidas do público, não raras vezes, somente muitos anos após a sua ocorrência. Para que tal aconteça, aliás, tanto contribui o trabalho dedicado e exaustivo dos mais reputados historiadores quanto (embora mais ocasionalmente) os "frutos do acaso" ou as "revelações" tardias de alguns dos intervenientes diretos em distintos episódios de guerra. 
...Voltando ao filme: vejam-no, se puderem (já que, tendo estreado em Portugal a 24 de abril, já saiu das salas de cinema). 
Para despertar a curiosidade e o interesse no filme, deixo o respetivo trailer, legendado em português. 


Em alternativa, o respetivo link.